O setor de saúde, representando aproximadamente 10% do PIB global, está em constante crescimento e inovação. A Dinamarca, embora seja um país com cerca de seis milhões de habitantes, desempenha um papel relevante na economia mundial da saúde. Em 2020, as exportações de produtos e serviços de saúde representaram aproximadamente 22% das exportações totais do país, com um crescimento contínuo de 25% ao longo dos últimos 15 anos. Essa tendência reflete o desenvolvimento robusto do setor dinamarquês, especialmente nas áreas de pesquisa e desenvolvimento (P&D) em ciências biológicas, com mais de 50 mil profissionais empregados e cerca de 1.600 empresas dedicadas a essas atividades.
Em entrevista ao Saúde Digital News, Tina Gottlieb, Conselheira Setorial de Saúde da Embaixada Dinamarquesa; Laurids Refslund, Cônsul Geral Dinamarquês em São Paulo e Guilherme Rabello, Embaixador da Healthcare Denmark no Brasil, revelaram os avanços dinamarqueses no setor de saúde e o papel da colaboração com o Brasil.
Na Dinamarca, a digitalização dos dados de saúde e a integração de sistemas nacionais já é uma realidade. A Dinamarca tem priorizado a digitalização pelo menos duas décadas e o país tem sido um exemplo de como centralizar e gerenciar informações de saúde de maneira eficaz. “O sistema dinamarquês de saúde registra os dados de cada cidadão em uma plataforma única, permitindo um acompanhamento constante e integrado ao longo da vida dos pacientes”, explicou Tina Gottlieb.
A cooperação governo-governo entre Brasil e Dinamarca na área de saúde digital começou em 2014 e desde então se intensificou bastante. Em 2016, os países assinaram o primeiro acordo de colaboração, que em 2020 – já na segunda fase – alcançou marcos significativos com o suporte dinâmico à implementação de plataformas de dados de saúde no Brasil, em um projeto voltado para centralizar as informações dos cidadãos em uma estrutura acessível e padronizada. O projeto entra uma nova fase em 2025, quando deverá incorporar a discussão do uso secundário de dados. “Essa área não apenas facilita a tomada de decisões clínicas e de pesquisa, mas também fornece um embasamento para o desenvolvimento de políticas públicas de saúde mais eficazes e baseadas em evidências”, destaca Tina.
Outro ponto forte da Dinamarca, segundo Guilherme Rabello, é sua experiência regulatória para dispositivos médicos e medicamentos. A estrutura de regulamentação dinamarquesa, homologada com os padrões da União Europeia, permite uma maior eficiência no processo de aprovação e distribuição de inovações tecnológicas em saúde. Esse conhecimento é também compartilhado com o Brasil através da cooperação bilateral para promover uma troca de melhores práticas e facilitar a harmonização regulatória internacional, e consequente a incorporação de novos produtos no mercado de maneira ágil e eficiente.
A colaboração entre Brasil e Dinamarca é marcada pelo interesse comum em estabelecer o uso sustentável e ético dos dados de saúde. O projeto busca estabelecer uma estrutura em que as informações possam ser compartilhadas entre os diferentes níveis do sistema de saúde, mas também no futuro eventualmente entre países.
A Dinamarca está engajada em compartilhar informações em saúde com outros países dentro das margens da União Europeia. Esse é o primeiro passo para a implementação do Sistema de Dados em Saúde da União Europeira – ou European Health Data Space (EHDS) – que deverá beneficiar cidadãos, profissionais de saúde, tomadores de decisão, pesquisadores e a indústria. A ideia é que o Sistema seja um tópico de discussão dentro da cooperação. Isso representa uma oportunidade única para a troca de conhecimentos sobre como garantir uma digitalização coerente em sistemas de saúde levemente interconectados, tanto em âmbito nacional, quanto internacional. Segundo Gottlieb, essa troca de dados é fundamental para criar um panorama global de saúde, que permita identificar tendências e responder aos desafios emergentes no setor”.
Além da digitalização, o Brasil e a Dinamarca se beneficiam de suas estruturas de saúde descentralizadas, adaptadas para atender às particularidades locais. Tendo em vista o alcance das unidades de saúde brasileiras em áreas remotas, a Dinamarca vê nesse modelo uma oportunidade de aprendizagem mútua. “A forma como os dados são capturados em pequenas unidades de saúde e depois transmitidos para centros maiores é inspiradora”, disse Tina. “Esse modelo permite que a Dinamarca adapte suas estratégias e crie novas abordagens para ampliar o alcance dos serviços de saúde”
Rabello enfatizou que essa parceria oferece ao Brasil a troca de experiências na implementação de estratégias de digitalização, enquanto a Dinamarca também constrói estratégias a partir da abordagem inovadora do sistema de saúde brasileiro. Com essa troca, ambos os países podem superar desafios e aprimorar seus sistemas de saúde de maneira sustentável.
Em relação à Diplomacia da Saúde Dinamarquesa geral, o país tem uma cooperação próxima com várias nações por meio de seus diplomatas da saúde e consultores estratégicos do setor (incluindo o Brasil). As colaborações variam de cooperação técnica em áreas nas quais a Dinamarca tem expertise, como digitalização e gerenciamento de doenças crônicas, a parcerias em aspectos regulatórios, como já abordamos no âmbito da cooperação:
- Transição digital, incluindo melhor uso de dados de saúde – em colaboração com o Departamento de Informação e Saúde Digital e o DATASUS (SEIDIGI) no Ministério da Saúde;
- Melhoria das condições estruturais para regulamentação de medicamentos e dispositivos médicos – em parceria com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Novas parcerias para inovação e uso de IA
Com a transição digital acelerada no setor da saúde, a Dinamarca aposta na inteligência artificial (IA) como uma ferramenta importante para o futuro dos cuidados médicos. A IA tem o potencial de transformar a maneira como os diagnósticos são feitos, possibilitando maior precisão e personalização no tratamento de doenças crônicas e no cuidado da população idosa. “A Dinamarca possui um ambiente vibrante de P&D, com startups que desenvolveram soluções inovadoras e avançadas em IA para a saúde”, explicou Rabello. A expectativa é que o Brasil, ao fortalecer sua infraestrutura digital, possa também integrar essas tecnologias e, assim, alcançar diagnósticos mais precisos e rápidos.
Recentemente, Guilherme Rabello foi nomeado como o representante do Brasil na rede internacional de Healthcare Denmark Ambassadors. A Healthcare Denmark e uma instituição público–privada que facilita a colaboração e o estabelecimento de parcerias entre empresas dinamarquesas e stakeholders públicos e privados nacionais e internacionais. Essa nova conexão com Healthcare Denmark também destaca um exemplo importante de como países podem compartilhar e integrar tecnologias inovadoras, trazendo avanços que melhoram não só a saúde de suas próprias populações, mas também unem esforços em Inovações para o setor de Saúde. Um dos focos do trabalho de Rabello como Healthcare Denmark Ambassador serão em IA e Sustentabilidade.
Tina Gottlieb enfatiza que a Dinamarca possui expertise em gestão de dados de saúde, experiência essencial para a implementação de IA no setor. “A saúde gera um volume massivo de dados e o uso inteligente deles é uma grande oportunidade para implementar IA de maneira eficaz”, afirmou. Na Dinamarca, a IA já é utilizada para prever e prevenir problemas de saúde populacional, um exemplo de como o país maximiza o uso de dados para otimizar o atendimento e melhorar a saúde pública. Esse tipo de tecnologia poderia ser adaptado aos desafios únicos do Brasil, cuja dimensão e diversidade populacional apresenta um terreno fértil para a aplicação.
Segundo Guilherme Rabello, a IA já deixou de ser apenas uma ferramenta tecnológica e passou a ser uma questão estratégica e diplomática. “A IA é agora uma componente essencial nas relações entre países. Países com grande infraestrutura, como EUA e China, avançaram rapidamente, e a Dinamarca também está posicionada para competir, especialmente no setor de saúde, onde as boas práticas de IA podem transformar a assistência”, acrescentou Rabello. “A Dinamarca entende que o sistema de saúde precisa evoluir para ser preditivo, evitando doenças ao invés de apenas tratar”, afirmou Tina. A IA permite que os profissionais de saúde mudem de risco e antecipem as necessidades da população, um modelo que pode ser adaptado para o Brasil, onde o sistema de saúde enfrenta esses desafios.
Além do setor público e privado, as universidades e centros de pesquisa desempenham um papel vital no fomento da IA e de outras inovações. A Dinamarca tem uma das infraestruturas acadêmicas mais avançadas, e muitos de seus centros de pesquisa colaboram diretamente com instituições brasileiras, compartilhando dados e insights sobre os efeitos de IA e novas tecnologias na saúde. Segundo Rabello, a parceria traz benefícios mútuos. “A Dinamarca tem o conhecimento técnico e histórico em IA, mas o Brasil traz questões de escala e diversidade que enriquecem essa colaboração. Assim, desenvolvemos soluções mais adaptadas e que trazem impacto global”, explica.
O Consulado Geral – ponte entre Brasil e Dinamarca
Estabelecido no Brasil em 1997, o Consulado Geral é a porta de entrada de investimentos e o principal facilitador das relações comerciais entre Dinamarca e Brasil. Laurids informou sobre o trabalho do consulado em São Paulo, que busca também apoiar a integração entre os países para promoção de inovação por meio de visitas técnicas e organização de delegações para desenvolver relações comerciais e apoiar empresas.
A sustentabilidade é outro pilar fundamental da colaboração. O setor privado dinamarquês, conforme explicado por Laurids, prioriza o chamado “triplo resultado”, que equilibra aspectos financeiros, sociais e ambientais. “Essa abordagem está profundamente integrada ao trabalho dinamarquês. Isso faz com que a parceria com o Brasil seja ainda mais significativa, pois permite que ambos os países partilhem valores comuns e ampliem os seus conhecimentos e práticas sustentáveis”, acrescentou o Cônsul Geral.
As colaborações na saúde entre o Brasil e a Dinamarca mostram o valor da cooperação internacional e da troca de experiências. As inovações em IA e digitalização de dados de saúde, assim como a harmonização regulatória, abrem portas para um futuro mais conectado e acessível no setor de saúde. Em um mundo onde o envelhecimento da população e as doenças crônicas desafiam constantemente os sistemas de saúde, parcerias como essas são fundamentais para garantir que as novas tecnologias beneficiem mais pessoas, de forma segura e eficaz.
Sector de Saúde na Dinamarca
Somente em 2021, os gastos globais com saúde atingiram a impressionante quantia de US$ 9,8 trilhões, representando 10,3% do PIB global. No entanto, na última década, a expectativa de vida estagnou em muitos países, incluindo os Estados Unidos (EUA), que sozinhos gastam mais de US$ 4 trilhões anualmente em saúde.
Vários fatores que fazem os custos de saúde dispararem: uma população envelhecida; o aumento da prevalência de condições crônicas (particularmente obesidade, doenças cardíacas, diabetes, câncer, condições musculoesqueléticas e doenças mentais); preços mais altos para produtos de saúde; ineficiências administrativas; e desigualdade em saúde.
Em 2023, o gasto total com saúde da Dinamarca atingiu R$ 216,3 bilhões, com 83,5% (R$ 180,7 bilhões) financiados pelo governo e esquemas de saúde obrigatórios. O setor de ciências biológicas é vital para a economia dinamarquesa, representando 22% de todas as exportações em 2020, totalizando R$ 233,27 bilhões. Em 2022, os principais importadores de ciências biológicas dinamarquesas foram os EUA (R$ 37,9 bilhões), seguidos pela China, Suécia, Alemanha, Japão, Noruega, Reino Unido, França, Espanha e Finlândia. Além disso, o setor detinha ativos no exterior no valor de R$ 61,7 bilhões, principalmente de investimentos diretos.
O emprego na indústria de ciências biológicas cresceu 25% de 2008 a 2022, totalizando mais de 50.000 cargos em tempo integral. A Dinamarca abriga aproximadamente 1.660 empresas de ciências biológicas, com 52% focadas em dispositivos médicos e 43% em produtos farmacêuticos e biotecnologia; a maioria são microempresas com nove ou menos funcionários. O setor responde por 37% do total de P&D da Dinamarca e enviou cerca de 1.200-1.400 pedidos de patentes anualmente ao Escritório de Patentes dos EUA e da Europa de 2010 a 2022.