segunda-feira, abril 29, 2024
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Regulamentação da telemedicina coloca desafios além da tecnologia

por Marcus Tatagiba e Leonardo de Paula
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De relevância e importância na mesma proporção durante a pandemia, o modelo de telemedicina ganhou status de Lei a partir do final de 2022. Embora sua história tenha cerca de 20 anos, a regulamentação dessa modalidade de atendimento ocorreu somente no final de 2022. Em linhas gerais, pode-se afirmar que a regulamentação trouxe mais segurança aos profissionais médicos e da saúde como um todo, bem como mais autonomia e flexibilidade aos pacientes. Contudo, ela também escancara injustiças que podem ser parcialmente remediadas ao passo que democratiza o acesso ao atendimento médico em regiões longínquas deste País.

Pesquisa realizada pela Anahp (Associação Nacional de Hospitais Privados), revela que, quatro em cada dez pessoas, apontam carências no sistema de saúde público e privado no Brasil, e 40% afirmaram ter dificuldades em fazer exames no sistema público. Dado chocante, mas realístico.

Já dados da Associação Brasileira de Empresas de Telemedicina e Saúde Digital, retratam que a prática aumentou o potencial de salvar vidas, já que, segundo a entidade, entre 2020 e 2021, mais de 7,5 milhões de atendimentos foram realizados via telemedicina no Brasil por mais de 52,2 mil médicos. Dados comprovam que o índice de resolutividade dos atendimentos foi de 91% sem a necessidade do paciente se deslocar para o pronto-socorro.

Segundo a Agência Nacional de Saúde (ANS), a permanência no pronto-socorro pode ultrapassar a marca de duas horas, a depender da classificação de risco do paciente, isso sem mencionar a alta exposição a outras patologias transmissíveis em ambientes coletivos. Dados mostram, ainda, que cerca de 80% dos pacientes que vão até o pronto-socorro poderiam ser atendidos via telemedicina e ter o problema resolvido sem necessidade de deslocamento.

O Sistema Único de Saúde (SUS) pode ser um dos mais beneficiados com a regulamentação da telemedicina, pois, além de possibilitar um processo de inovação ao sistema – e para as pessoas que nele atuam -, a lei possibilita a ampliação do atendimento à população. A telemedicina pode ser aliada das pessoas que não têm acesso à saúde pública ou privada devido à distância de casa até o local de atendimento, seja no interior ou nas capitais do País. Atualmente, boa parte dos brasileiros precisa se deslocar numa distância de 50 a 100 quilômetros  em busca de atendimento, gerando custos altos para pacientes, prefeituras e o próprio SUS.

Alguns dados ajudam a ilustrar essa visão. A pesquisa Global Health Service Monitor, de 2021, mostra que nove em cada dez brasileiros afirmam não ter condições de pagar por saúde de qualidade. O levantamento feito no Brasil e outros 29 países, com pessoas de 16 a 74 anos, revelou que no território nacional as dificuldades de acesso ao tratamento e longos períodos de espera estão entre os principais problemas da saúde brasileira, segundo 45% do público entrevistado.

Fora as dificuldades de acesso: 47% dos entrevistados afirmaram que é difícil conseguir consultas médicas perto dos locais onde moram.  A mesma pesquisa apontou, ainda, que 50% das pessoas entrevistadas veem falta de investimento em saúde preventiva, o que aponta não só uma boa oportunidade para a promoção da telemedicina preventiva, e de como ela pode trazer mais qualidade de vida às pessoas.

Atendimento: ponto culminante

A lei definitiva que regulamentou a atividade deixa claro que o atendimento virtual ou presencial é definido em comum acordo entre médico e paciente, ficando estabelecido o momento, se houver, de ocorrer um atendimento presencial. Em resolução do CFM, anterior à Lei, ficou determinado que fossem realizadas consultas presenciais em intervalos de até 180 dias para pacientes com doenças crônicas, ou que necessitam de um acompanhamento por um longo período, sendo que a Lei da Telessaúde deixa claro não haver momento específico para essa definição.

A regulamentação é de validade nacional, assim não é necessário que o profissional de saúde faça a emissão de uma inscrição secundária ou complementar para exercer a atividade atendendo pacientes em todo território brasileiro, ao exemplo do que ocorre com o Conselho Federal de Medicina (CFM) no caso dos médicos ou o Conselho Federal de Psicologia (CFP) para parte dos profissionais de saúde mental.

A lei estabelece, ainda, direitos e deveres tanto aos pacientes, quanto para os profissionais de saúde, que passam a ter autonomia no exercício da telemedicina, podendo recusar o atendimento à distância. Isso vale para o paciente, que pode solicitar o atendimento presencial, sendo livre para escolher o modelo de atendimento que considera mais adequado.

Desafios

Além dos dados positivos, no entanto, existem muitos obstáculos a serem superados no exercício da telemedicina. Levantamento feito pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic) expõe como a desigualdade socioeconômica está presente também na telessaúde. Pelo menos metade da população brasileira utilizou esse serviço de saúde online entre 2021 e 2022. Desse montante, as classes A e B foram as que mais utilizam o teleatendimento: 42%. Em seguida, aparecem as classes C (com 22%), D e E (com 20%).

O levantamento, que contou com a participação 5,5 mil pessoas acima dos 16 anos, ressaltou também que 82% dos pacientes das classes A e B fizeram o atendimento online na rede privada. Nas classes D e E, os números estão próximos, 78%, mas esse percentual representa as consultas feitas na rede pública. Outra disparidade foi evidenciada na pesquisa da Cetic, desta vez educacional: cerca de 40% dos brasileiros que utilizaram o serviço de telemedicina têm ensino superior, diante de 22% que concluíram o ensino médio e 21% o fundamental.

Os dados escancaram não só a desigualdade socioeconômica do país, – consequentemente do acesso à saúde -, mas também reforçam a importância que a rede pública tem na vida de milhões de pessoas e de como a oportunidade de ter formação acadêmica é fator relevante, ou quase que preponderante, para que as pessoas também tenham acesso à telemedicina.

Sabemos que a medicina sempre foi tecnológica, científica e esteve na vanguarda da inovação em diversas fases da nossa história. Além de criarmos e contribuirmos com a transformação digital, devemos abraçar as tecnologias que surgem de outros setores. Esse ferramental, sem dúvida aproxima e cria pontes para quem necessita de cuidados médicos, e a regulamentação veio sim para aprimorar o bom atendimento e eliminar más condutas do setor. No final, temos a telemedicina que sonhamos ou, ao menos, o início dela. Avante!

* Leonardo Jorge Cordeiro de Paula (foto acima) é médico cardiologista, diretor técnico e acadêmico da Escola Brasileira de Medicina (Ebramed), especialista em gestão de saúde e educação, e atualmente é cardiologista clínico do Incor (Instituto do Coração).
*Marcus Vinicius Tatagiba é CEO e fundador da Educar Mais, grupo de educação que administra a Escola Brasileira de Medicina (Ebramed). 

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